domingo, 27 de fevereiro de 2011

a Leovigildo Queimado Franco de Sousa

O texto que se segue é de João Vasconcelos e Sá, que o leu no Carnaval de 1934, dedicando-o ao ministro da agricultura de Salazar, Leovigildo Queimado Franco de Sousa. Aqui a leitura
e de Victor de Sousa. Pasmem-se!





Ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Agricultura
Exposição
Porque julgamos digna de registo
a nossa exposição, Sr. Ministro,
erguemos até vós humildemente
uma toada uníssona e plangente,
em que evitámos o menor deslize,
e em que damos razão da nossa crise.
Senhor, em vão esta província inteira
desmoita, lavra, atalha a sementeira,
suando até à fralda da camisa.
Mas falta-nos a matéria orgânica precisa
na terra que é delgada e sempre fraca.
A matéria em questão chama-se caca.
Precisamos de merda, senhor Soisa,
e nunca precisámos de outra coisa…
Se os membros desse ilustre Ministério
querem tomar o nosso caso bem a sério;
se é nobre o sentimento que os anima,
mandem cagar-nos toda a gente em cima
dos maninhos torrões de cada herdade,
e mijem-nos também, por caridade…
O Senhor Oliveira Salazar,
quando tiver vontade de cagar,
venha até nós, solícito, calado,
busque um terreno que estiver lavrado,
deite as calças abaixo, com sossego,
ajeite o cu bem apontado ao rego,
e, como Presidente do Conselho,
queira espremer-se até ficar vermelho.
A nação confiou-lhe os seus destinos,
então comprima, aperte os intestinos.
E, aí, se lhe escapar um traque, não se importe…
quem sabe se o cheirá-lo não dará sorte…
Quantos porão as suas esperanças
num traque do Ministro das Finanças…
e também, quem vive aflito e sem recursos,
já não distingue os traques, dos discursos…
Não precisa falar, tenha a certeza,
que a nossa maior fonte de riqueza,
desde as grandes herdades às courelas,
provém da merda que juntarmos nelas.
Precisamos de merda, senhor Soisa,
e nunca precisámos de outra coisa,
adubos de potassa, cal, azote;
tragam-nos merda pura do bispote,
e de todos os penicos portugueses,
durante pelo menos uns seis meses.
Sobre o montado, sobre a terra campa,
continuamente eles nos despejem trampa.
Ah! terras alentejanas, terras nuas,
desesperos de arados e charruas,
quem as compra ou arrenda ou quem as herda
sempre a paixão nostálgica da merda…
Precisamos de merda, senhor Soisa,
e nunca precisámos de outra coisa…
Ah, merda grossa e fina, merda boa
das inúteis retretes de Lisboa.
Como é triste saber que todos vós
andais cagando, sem pensar em nós…
Se querem fomentar a agricultura,
mandem vir muita gente com soltura…
Nós daremos o trigo em larga escala,
pois até nos faz conta a merda rala…
Ah! venham todas as merdas à vontade,
não faremos questão da qualidade,
formas normais ou formas esquisitas.
E desde o cagalhão às caganitas,
desde a pequena poia, à grande bosta,
tudo o que vier a gente gosta.
Precisamos de merda, Senhor Soisa,
e nunca precisámos de outra coisa…
João Vasconcelos e Sá

2 comentários:

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