sábado, 15 de setembro de 2007

..:: A Casa de Alice ::..


Com meia hora de atraso, o Queer Lisboa 11 abriu com A Casa de Alice. À parte do atraso, senti-me no inferno. Melhor, sentimo-nos: o Zé e a Patrícia partilharam da minha agonia e não éramos os únicos. Os estofos das cadeiras que aquecem + uma sala cheia (não sei a lotação da sala 1, mas havia talvez meia dúzia de lugares vazios) + ausência de ar condicionado = calor insuportável. Estive com a camisa desapertada, com o programa a servir de abano, alternando com o Zé. Caramba, às tantas estávamos mais concentrados no calor do que no filme, acabando por nos deixar muito mal impressionados. Saímos de lá a correr para uma esplanada.

O filme de Chico Teixeira: primeiro ponto, gostámos do filme; segundo, o motivo da inclusão no festival não é imediato e óbvio, ah pois não, Daniel J. Skråmestø. Não há qualquer tipo de relação declaradamente lésbica ou gay ou de outra natureza que não as hetero. Se pensarmos que a designação Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa passou para subtítulo, visto que passou a chamar-se Queer Lisboa, vislumbra-se algum entendimento, inclusive programático. Mas conhecerá a maioria das pessoas, o verdadeiro alcance do termo e da sua história? Desconfio… Talvez lendo Miguel Vale de Almeida e Anabela Rocha se possa ficar mais esclarecido acerca da complexidade das nomenclaturas.
Basicamente, o filme retrata a condição da mulher casada e das suas relações com os diferentes membros da família e trabalho. Alice, o centro da história, partilha a cama com Lindomar, o marido ausente e infiel, vivendo lá em casa a sua mãe (Dona Jacira) e os seus três filhos. Trabalha como manicura.
O argumento é bastante simples, as relações entre as personagens não, devido às tensões e silêncios entre mulher-marido, genro-sogra, irmãos, mãe-filhos, netos-avó, manicura-cliente, et cætera. Seria um filme extremamente desinteressante não fossem essas tensões e a frustração de Alice, que acaba por se redescobrir no sexo com um namorado da adolescência.
À parte disso, as interpretações são muito boas, destacando-se as duas senhoras da imagem, i.e., Carla Ribas e Berta Zemel, Dona Jacira, a avó, aquela que tudo sabe, que tudo vê, que nada diz ou exterioriza. De facto, o filme vive mais do sugerido, dando espaço ao espectador para preencher os lugares vazios do não dito, nomeadamente através da proximidade e cumplicidade entre Lucas, o irmão mais velho e militar, e Edinho, o mais novo, no escuro do quarto; além do dinheiro e da mão do desconhecido na perna de Lucas, sugerindo que este exercitava o corpo em mais do que treinos militares.
Queer? A experiência de Alice não é tanto a de uma excluída, mas a de muitas mulheres que suportam um casamento de fachada e sacrifícios pessoais e emocionais. Sofrida, portanto. Quanto a papéis tradicionais? Sim. Questionamento desses papéis? Nem tanto. Posso estar a obliterar alguns pontos, mas o filme é a crise de Alice: a infelicidade resultante do seu dia-a-dia, das mentiras, das aparências, das traições, das faltas de respeito, da violência verbal, dos papéis tradicionalmente femininos ou masculinos. No final, Alice, esperançosa, acaba por buscar a fuga, mas até essa tentativa sai gorada: o homem que procurava desaparece, a mãe morre, a casa fica abandonada aos quatro homens que a transformam em pocilga.


Passa novamente, amanhã (16/9), às 16h30.

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